Grilo na paisagem
seu riso ressoa
por toda a viagem
Grilo na estrada
lembro o carro de meu pai
é o tempo que cai
Grilo no caminho
o mesmo grito indo
contínuo.
Grilo na paisagem
seu riso ressoa
por toda a viagem
Grilo na estrada
lembro o carro de meu pai
é o tempo que cai
Grilo no caminho
o mesmo grito indo
contínuo.
Em 1996,
o parque industrial respirava ferrugem
— pulmão mofado
soprando desemprego
e estilhaços de vidro
das fábricas caladas.
O Estado, assediado por
mãos invisíveis, lavado nas
águas estrangeiras do mercado
ia sendo às pressas desmembrado:
espinha, carne, tronco;
décimo-terceiro, tickets,
promessas de aposentadoria.
Meus pais martelavam teclados
no banco estadual,
seus tendões desfiando-se
em códigos e planilhas —
números que virariam
epitáfios em arquivos mortos.
Na sala do RH,
entravam homens inteiros,
saíam restos de gente.
"Reestruturação" — a faca,
"eficiência" — o prato
vazio,
e nós, a carne sem osso
que o sistema cuspia
com um sorriso de balconista.
Cai por terra a meritocracia
cultivada na crença, nos
gestos e palavras paternas.
A política bombardeou minha infância:
um ouvido colado
no choro dos adultos.
Logo, aprendemos a dobrar-nos,
a engolir o ar como pão,
a chamar de "contenção"
o desejo engasgado.
“É amor, não é?”
perguntou o médico de
riso besta.
Eu tinha doze.
Era o mundo
o que doía —
um osso cravado
entre grito e palavra.
Os jornais falavam em
"progresso",
em "ondas modernizantes",
o ranger de portas fechadas —
sinfonias para ouvidos
de tecnocratas e suas investidas.
Nossos corpos
contavam histórias
de alianças perdidas:
sindicatos virados trapos,
colegas virados números,
e a carteira de trabalho
— um álbum de retratos
com os nomes apagados.
Fomos aprendendo:
primeiro, a segurar os que caíam;
depois, a virar o rosto;
até que um dia
— quando o banco virou
sigla estrangeira —
assimilamos o novo idioma:
tecnologia tão fria
que somente o vazio
respondia.
Quando eu era muito
menino,
sabia quase tudo:
que o dia viria
depois da noite,
que viver era
seguir os adultos
com os olhos.
Mas
suava noites a frio
pensando que deveria ser mais
que aquilo
viver.
Na sala,
a rotina escorria:
televisão, escola,
jantares,
lição antes de
brincar e dormir.
Domingo morria
na hora da missa.
E se a vida
era aquilo,
repetir os mais velhos,
por que chamavam isso
de futuro?
Eu deveria perguntar
a deus
mas a pergunta
era a dúvida sozinha.
E me perguntava se
havia mesmo
um deus piedoso
e se havia mesmo
um deus.
Então, comecei a pensar
como se ninguém
tivesse pensado antes:
e se não houvesse nada?
Se nem eu existisse?
Se nem o pensamento
de eu existir
existisse?
Foi numa dessas noites
em que o corpo perde saliva
de tanto silêncio,
que percebi:
se houvesse Deus,
ele me interromperia.
Ele saberia de tudo
ele não permitiria.
E se permitisse, não seria.
Peguei a faca.
Não para morrer,
mas para convidá-lo.
Que viesse —
a cena era sua.
Mas não veio.
O corredor seguiu intacto,
os quartos dormiam.
Lá em casa,
só eu sabia.
Corríamos e ríamos fartando-nos de chuva na volta para casa
- entre ruas e rios, a cidade subitamente se transformara
Antes disso, caminhávamos inventando de improviso o rumo e canções
Ele tinha três anos e já sabia tirar os chinelos para correr
e me chamava papai
e ria
Depois, já em casa, aconchegado pelo banho quente do chuveiro
sozinho, onde a varanda era um barco
mirando o tempo
ele criou sua primeira canção só dele:
"Pode chover, muito pouquinho
Pode
chover,
muito
pouquinho."
..
2- Não engulo sapo, mas puseram-me um na barriga. Cuspi seu troço na pia. Sujei as mãos na papa da baba do sapo. Não devolverei o feitiço que nos liga, nem furarei os olhos no corpo mágico. Sapo que morra de fome, pedra expelida na merda. A vingança é solene silêncio, sem vigília.
..