Essa noite, visitei o avesso de uma praia.
No verdume líquido, um homem rompia as ondas —
inteiro, um corpo sem linha de corte.
Retornava, contido, abraçado a uma fartura
e a depunha, prateada, sobre a brancura crua
de um lençol na areia.
Quando o mar o chamou de volta,
reconheci-o: era a mão fundadora de meu pai.
Entrava nas águas sem rede, sem artefato —
apenas ele:
o corpo como âncora e como cova
de onde a vida vinha.
O cardume, em seu colo, rendia a insônia do oceano.
Dormiam, sossegados, os peixes
na paz do músculo.
Em roda, os homens apertavam o pano de
linho,
louvando a graça selvagem do pescador.
Os curiosos, com a avidez do mundo:
“Posso levar a prata viva do xaréu?”
“Posso ficar com a moeda do robalo?”
Minha mãe se fez presente —
o olhar, um juízo.
E nós dois, testemunhas de que o antigo ofício,
a técnica do sonho,
estava enfim reconhecido.
Meu pai, generoso e exausto, acenava.
Deixava que a virtude o esvaziasse de matéria,
levada por mãos humanas como nós,
anônimas e famintas.
Sobrou o miúdo, o despercebido.
Minha mãe o recolheu no cesto de palha:
“O que resta é para nós.”
Meu pai voltou ao útero salgado,
prometendo outro milagre.
Desta vez, fui atrás —
não para ver,
mas para me molhar na ciência.
A luz da praia começou a se desfazer,
e eu lutei contra a morte impiedosa do acordar.
Já domino o olhar que admira.
Resta descer no corpo para aprender o mar.
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