Em 1995,
o parque industrial respirava ferrugem
— pulmão mofado
soprando desemprego
e estilhaços de vidro
das fábricas caladas.
O Estado, assediado por
mãos invisíveis, lavado nas
águas estrangeiras do mercado
ia sendo às pressas desmembrado:
espinha, carne, tronco;
décimo-terceiro, tickets,
promessas de aposentadoria.
Meus pais martelavam teclados
no banco estadual,
seus tendões desfiando-se
em códigos e planilhas —
números que virariam
epitáfios em arquivos mortos.
Na sala do RH,
entravam homens inteiros,
saíam restos de gente.
"Reestruturação" — a faca,
"eficiência" — o prato
vazio,
e nós, a carne sem osso
que o sistema cuspia
com um sorriso de balconista.
Cai por terra a meritocracia
cultivada na crença, nos
gestos e palavras paternas.
A política bombardeou minha infância:
um ouvido colado
no choro dos adultos.
Logo, aprendemos a dobrar-nos,
a engolir o ar como pão,
a chamar de "contenção"
o desejo engasgado.
“É amor, não é?”
perguntou o médico de
riso besta.
Eu tinha doze.
Era o mundo
o que doía —
um osso cravado
entre grito e palavra.
Os jornais falavam em
"progresso",
em "ondas modernizantes",
o ranger de portas fechadas —
sinfonias para ouvidos
de tecnocratas e suas investidas.
Nossos corpos
contavam histórias
de alianças perdidas:
sindicatos virados trapos,
colegas virados números,
e a carteira de trabalho
— um álbum de retratos
com os nomes apagados.
Fomos aprendendo:
primeiro, a segurar os que caíam;
depois, a virar o rosto;
até que um dia
— quando o banco virou
sigla estrangeira —
assimilamos o novo idioma:
tecnologia tão fria
que somente o vazio
respondia.
Nenhum comentário:
Postar um comentário