terça-feira, 8 de julho de 2025

1995


Em 1995,

o parque industrial respirava ferrugem

— pulmão mofado

soprando desemprego

e estilhaços de vidro

das fábricas caladas.

 

O Estado, assediado por

mãos invisíveis, lavado nas

águas estrangeiras do mercado

ia sendo às pressas desmembrado:

espinha, carne, tronco;

décimo-terceiro, tickets,

promessas de aposentadoria.

 

Meus pais martelavam teclados

no banco estadual,

seus tendões desfiando-se

em códigos e planilhas —

números que virariam

epitáfios em arquivos mortos.

 

Na sala do RH,

entravam homens inteiros,

saíam restos de gente.

"Reestruturação" — a faca,

"eficiência" — o prato vazio,

e nós, a carne sem osso

que o sistema cuspia

com um sorriso de balconista.

 

Cai por terra a meritocracia

cultivada na crença, nos

 gestos e palavras paternas.

A política bombardeou minha infância:

um ouvido colado

no choro dos adultos.

 

Logo, aprendemos a dobrar-nos,

a engolir o ar como pão,

a chamar de "contenção"

o desejo engasgado.

 

“É amor, não é?” 

perguntou o médico de

   riso besta.

Eu tinha doze.

Era o mundo

o que doía —

um osso cravado

entre grito e palavra.

 

Os jornais falavam em "progresso",

em "ondas modernizantes",

o ranger de portas fechadas —

sinfonias para ouvidos

de tecnocratas e suas investidas.

 

Nossos corpos

contavam histórias

de alianças perdidas:

sindicatos virados trapos,

colegas virados números,

e a carteira de trabalho

— um álbum de retratos

com os nomes apagados.

 

Fomos aprendendo:

primeiro, a segurar os que caíam;

depois, a virar o rosto;

até que um dia

— quando o banco virou

sigla estrangeira —

assimilamos o novo idioma:

tecnologia tão fria

que somente o vazio

respondia.