terça-feira, 24 de junho de 2025

Muito menino


Quando eu era muito


menino,


sabia quase tudo:


que o dia viria


depois da noite,


que viver era


seguir os adultos


com os olhos.




Mas 


suava noites a frio


pensando que deveria ser mais 


que aquilo


viver.




Na sala,


a rotina escorria:


televisão, escola,


jantares, 


lição antes de 


brincar e dormir.


Domingo morria


na hora da missa.




E se a vida


era aquilo,


repetir os mais velhos,


por que chamavam isso


de futuro?




Eu deveria perguntar 


a deus


mas a pergunta


era a dúvida sozinha.




E me perguntava se


havia mesmo 


um deus piedoso


e se havia mesmo


um deus.




Então, comecei a pensar


como se ninguém


tivesse pensado antes:


e se não houvesse nada?


Se nem eu existisse?


Se nem o pensamento


de eu existir


existisse?




Foi numa dessas noites


em que o corpo perde saliva


de tanto silêncio,


que percebi:


se houvesse Deus,


ele me interromperia.


Ele saberia de tudo


ele não permitiria.


E se permitisse, não seria.




Peguei a faca.


Não para morrer,


mas para vê-lo.


Que viesse —


a cena era sua.




Mas não veio.


O corredor seguiu intacto,


os quartos dormiam.


Lá em casa,


só eu sabia.