As águas e o espelho
O espelho, não.
Não esta lâmina civilizada,
este ângulo reto que amputa o tempo,
esta prisão onde penduro
quadros que não sangram.
Agarro seu dorso liso —
mãos que tateiam
o que já sabem encontrar —
e resisto.
Um espelho não deve cair:
imagens se cruzam em
seus pedaços.
Até que a pedra em meus olhos
aceite o fogo que a desafia,
e meu corpo, enfim,
desate-se em rio
que ignora margens.
Não quero a estátua
que o espelho cultiva.
Quero o poço onde
um peixe salta,
uma flor desabrocha,
um narciso se entrega.
Água viva
que devora
meu reflexo.